sexta-feira, 24 de setembro de 2021

PÃO FRANCÊS

PÃO FRANCÊS

Jackie Régis

 

Mas ela sabia como ninguém conquistar a simpatia das pessoas mesmo!!!

Não importava a classe social, a etnia, a profissão, a idade ou o sexo... ela conquistava a todos pelo estomago!

Dona Margarida, ou melhor, Dona Maga, era realmente uma “maga” na cozinha.  Bom, ela gostava mesmo era dos elogios que recebia, pois sabia que eram sinceros... Sabia que tinha alcançado o objetivo de agradar ao paladar dos seus convidados.

A alquimia dos temperos, muito bem escolhidos e milimetricamente cortados exalavam um aroma que sempre fazia surgir visitas inesperadas à porta.

Cebola de cabeça, alho, pimentão vermelho bem picadinhos e despejados cuidadosamente na frigideira de ferro, previamente aquecida com uma colher de banha de porco... Pronto!!! Era o suficiente para fazer salivar o mais desavisado transeunte daquela rua de paralelepípedos, aos pés do Morro da Cruz.

A casa de madeira verde era a última da rua, tendo toda a sua lateral margeada pela velha e abandonada estrada de ferro. Por ali passavam muitas pessoas, principalmente jovens... era caminho de escolas.

Quanta provocação ao meio dia ...

Naquele dia receberíamos visitas, com certeza.

Bife de frigideira era servido só em dias especiais... e nem era domingo! Tampouco aniversário de alguém da casa...

Aquela frigideira era mágica. Conseguia dar ao filé simples aparência e sabor de prato requintado! O sal na medida certa, um leve toque de limão, uma pitada de cominho e pimenta do reino como coadjuvantes transformavam o sumo que escorria da carne enquanto fritava na banha quente em uma deliciosa crosta que sedimentava no fundo da frigideira, enquanto o filé dourava, ao ponto!

As palmas no portão anunciavam a chegada da visita. Um padre e um seminarista recém chegados de uma longa viagem estavam sendo recepcionados na tradicional família dos “católicos praticantes”.

Dona Maga foi logo recomendando a todos nós: cumprimentem com respeito, respondam com educação e tenham bons modos à mesa. E ainda complementou sussurrando: eles acabaram de chegar da Europa!

Toda orgulhosa do lauto banquete que preparou e ansiosa por ouvir os relatos da viagem, foi recebe-los no portão e trouxe-os até a copa, que era o último cômodo da casa, nos fundos do terreno. Apresentou-os distintamente aos que estavam presentes, acomodou-os em seus lugares e serviu o almoço.

Tudo transcorria maravilhosamente bem, até que ela percebeu que eu não estava à mesa.

O espaço onde estavam lado a lado a copa e a cozinha era amplo... do lado oposto à mesa de jantar ficavam o armário de comidas, o “tajer” onde guardávamos as louças, a pia e o fogão. Sobre o fogão ainda estava a frigideira mágica, instigando meus instintos adolescentes de satisfação e prazer. É que, para mim, a parte mais saborosa do prato principal ficava guardada no fundo da frigideira de ferro: a crosta úmida e salgadinha que se formava com a fusão do sumo da carne aos temperos. Eu salivava só por imaginar que seria toda minha...

Saí da mesa discretamente e me dirigi para o cômodo ao lado.  Aproximei-me do armário de comidas e furtei um pão dormido, que estava no saco de pães.  Despojadamente parti o pão e passei um pedaçõ no fundo da frigideira para saborear aquele deleite. Estava bom demais!!! Me empolguei e nem percebi que estava sendo fuzilada pelo olhar autoritário da Dona Margarida.

E logo veio o “pito”:

- Que modos são esses? Mas o que é isso, menina?

E eu, com a boca lambuzada do sumo da carne respondi:

- É pão... e é Francês!!! Quer?

Ainda bem que as visitas tinham bom humor e relevaram minha meninice com boas gargalhadas!!!


Um comentário:

Rita de Cássia Régis Korb disse...

💕Ler suas memórias me fez voltar no tempo... Lindos momentos... Saudosos... 💕