O PRESENTE DE NATAL
(Jackie Régis)
O ano era 1963 e que intenso foi na casa dos Régis!
A família morava no litoral norte de Santa Catarina, na
portuária Itajaí! Um casal jovem, com quatro filhos, “católicos praticantes”
como gostavam de evidenciar! Ele, motorista de ônibus, sanfoneiro, sonhador,
acumulador de antiguidades, inventor... Ela, uma multidisciplinar dona de casa,
eximia cozinheira, artesã, comerciante, voluntária social, voluntária
religiosa, costureira, lavadeira, passadeira, criadora de galinha, erveira,
escritora, inquieta, sonhadora, empreendedora...
Vó Prenda, não resistindo às complicações hepáticas e fez a
passagem naquele ano, no mesmo mês em que foi anunciada a gravíssima doença do
“Papa Buono”, João XXIII... Dona Margarida, católica fervorosa que era, levada
à exaustão pelo acompanhamento hospitalar da madrasta, nem acompanhou as
cerimonias fúnebres. Deram-lhe um “sossega leão” e ela dormiu por quase dois
dias inteiros. Nem imaginava que esse descanso era para enfrentar o próximo
desafio: seu querido Hilário seria contaminado pelo vírus da varíola (a
terrível “bexiga preta” que se alastrava na cidade) e precisaria ainda mais de
sua costumeira dedicação. Com isolamento, chás, rezas e acompanhamento médico,
conseguiram juntos superar esse momento tenso!!! Ufa!
O ano seguiu intenso...
Quando a primavera trouxe seus encantos, foi a vez da Dona
Margarida ficar “aborrecida” ... Barriga inchada, náusea, cansaço além do
normal... Já estavam preparados para um diagnóstico ruim, mas o susto foi maior
ainda: uma surpresa para quando o verão chegar!
Novembro foi agitado internacionalmente: o presidente dos
ESTADOS UNIDOS foi assassinado e sua bela Jackie ficou viúva precocemente...
As notícias se espalhavam rapidamente, porque no intenso ano
de 1963 a televisão brasileira alcançou grandes avanços!
Já os primogênitos da família haviam sido encaminhados para
um seminário nas longínquas terras do Rio Grande do Sul há alguns anos: “sonho
dourado” da Dona Maga ter seus meninos formados padres! Pena que não coincidia
muito com o desejo dos moçoilos...
As meninas, que encanto! No frescor da pré-adolescência eram
a “menina dos olhos” do Seu Hilário e a razão da implicância da dona Margarida!
Só para deixar bem explicadinho aqui, Dona Maga era uma
jovem mulher de 35 anos que por mais de 8 anos, após um parto prematuro
complicado e retirada de pólipos do útero havia recebido um triste veredito do
médico: “nunca mais teria família”!
O verão se aproximava e os preparativos do Natal também!
Uma das oito maravilhas do mundo eram os festejos natalinos
na família Régis! O mês de dezembro começava em festa por causa do aniversário
do Seu Hilário, bem no primeiro dia!!! Dalí até o Natal, a casa tinha cheiros e
sabores inigualáveis! Começava com a produção de “docinho seco”, broas de
polvilho, coco, nata e amendoim. Seguia com compotas de frutas, sagu com vinho
e cucas. Conseguem imaginar o cheiro de raspas de limão misturado com cravo e
canela que exalava dessas iguarias que superavam os melhores cafés coloniais do
nosso tempo??? Era fabuloso! Fantástico! Inesquecível!!! E os salgados então???
Empadões de palmito, frango, carne... Assados de aves que perfumavam o
quarteirão inteiro!!!
Natal sempre foi de muita alegria! Pinheirinho decorado com
bolachas, bolinhas e velas, presépio montado e música, muita música!!! Além da
trilha sonora da “radiola”, seu Hilário pegava a sanfona e o repertório de
jovem alemão interiorano emergia das suas memórias para emocionar a todos!
Bom, foi nesses dias que aquela família aumentou...
Os “padrecos” renegaram a batina... Inquietos, tanto
aprontaram, que foram expulsos do Seminário. E como eram cúmplices um do outro,
até hoje ninguém descobriu o motivo do tal feito...
Os manos retornaram ao lar... Chegaram de “mala e cuia” ...
Era semana de Natal e a tal “cegonha” bateu asas naquele
sobrado trazendo no bico um embrulho diferente...
Um presente... era eu!
